Eu me apaixonei por um sapato. Ali, em meio a vários outros modelos, foi ele que fez meus olhos brilharem da forma mais intensa e genuína possível. Era pra ser meu, foi feito pra mim e não tinha nenhuma outra explicação. Foi amor à primeira vista.
Sem nenhuma surpresa, eu passei a usá-lo sempre – sempre mesmo. Ele era tão bonito que eu não conseguia escolher nenhum outro. Ele combinava com qualquer composição que eu fizesse, com qualquer humor que eu estivesse e sempre me deixava feliz e confiante.
Era meu sapato favorito no mundo e eu não me imaginava usando outro.
Pouco tempo depois, ele começou a machucar os meus dedos. Começou incomodando o dedinho, depois foi machucando a unha do dedão e, quando menos percebi, ele me causava muita dor até no tornozelo. Era intenso e até me tirava algumas lágrimas, mas ainda assim, meu amor por aquele modelo era maior que o desconforto causado.
Insistia em usá-lo constantemente. Era o sapato que eu mais gostava na vida, não aceitava a ideia de que ele pudesse me machucar.
Ilustração: Grace Lee |
Mas machucava.
E o que era apenas desconforto, virou uma dor lancinante.
Após meses de tentativas e de sentir dor em calçá-lo, respirei fundo, reuni todas as minhas forças, coloquei-o no fundo do armário e tranquei.
Era hora de testar outros modelos. Nenhum era como ele, mas ao menos, eles não me faziam sentir dor.
…
Com o tempo, fui aprendendo a priorizar o conforto. A amar a sensação de pés descalços na areia ou do delicioso conforto de um chinelo com meia. Fui me apaixonando pelas sensações e me acostumando, felizmente, a viver sem dor. Salto alto saiu da minha lista de paixões da mesma forma em que as botinhas divertidas assumiram o primeiro lugar na minha lista de amores.
Eu era outra pessoa além do estilo e do senso estético e o que eu usava antes não tinha nada a ver com o que via no espelho nos dias atuais.
Anos depois, ao mexer no fundo do armário, encontrei o sapato que há tanto já amei. Não conseguia imaginar que um dia aquele modelo, que em nada combina com o que sou, pudesse ter sido tão importante na minha vida. Não entrava na minha cabeça que eu preferia machucar meus dedos a deixá-lo de canto.
Mais que isso. Não conseguia entender como foi que um dia eu pude amar tanto algo que nunca foi feito para mim.
Fechei o armário e sorri.
A dor causada pelo aperto daquele sapato me fez aprender o que deveria ser priorizado e o quanto eu poderia ser mais leve se tivesse mais movimento.
Sorri sozinha ao perceber o quanto mudei e o quanto aquilo, que já foi a minha vida, não tinha nenhum outro lugar a não ser a presença em fotos antigas.
[E o fundo do meu armário trancado].
Mih, tenho pensado tanto nisso. às vezes olho pra coisas que já usei e penso em como me submeti a esse desconforto só pra agradar os outros, pra tentar passar uma imagem que não tinha nada a ver comigo. mas hoje também agradeço (muito!) por esses momentos, porque me ajudaram a chegar onde estou hoje ♥
Meu Deus, Michele!
Que analogia geniall!!!!!!!!
Você é muito boa em tudo o que escreve, por favor, reitero meu pedido:
ESCREVA UM LIVRO!
Eu fico encantada cada vez que venho aqui…
E fico feliz em saber que ainda existam pessoas que escrevem muito mais do que resenha de maquiagem na internet ♥
Beijos, sucesso!!!!!
Eu to saindo desse texto pensando tanto naquela alpagarta que tanto tentei entrar na moda quanto em pessoas que fizeram etc e mais etc????? Aiaiaiai
Repetindo a Amanda: ESCREVA UM LIVRO!
Eu compraria sem pensar duas vezes, afinal, me ganhou no título.
Beijo
Ray e os Dezoito