Sobre sofrer por amor

por | jul 3, 2023 | Amor | 0 Comentários

Na quinta-feira passada, a Preta Gil, durante um tratamento oncológico, fez uma publicação abrindo seu coração e expondo seu estado vulnerável não por sua doença, mas por ter sido traída dentro de casa por seu parceiro e sua funcionária. Em seu story, ela não tentou mascarar sua tristeza ou fingir que não se importava com o fato dos traidores estarem juntos – e isso chamou a atenção da internet. Preta foi machucada por duas pessoas que ela colocou sob o seu teto, postou um texto sincero e ferido e expôs aos seus seguidores que tudo isso não só doeu como continua doendo.

Preta chocou ao demonstrar uma reação brutalmente natural a um término extremamente covarde e dilacerante. Chamou a atenção porque hoje em dia se até nós, meros mortais, somos julgados ao mostrar um mínimo de vulnerabilidade, como pode uma mulher como a Preta fucking Gil sofrer por algo tão banal quanto amor e ainda mostrar?

Como assim as pessoas ainda sofrem por outras?

Como assim ainda existe coração partido?

Foi aí que cheguei na principal questão: quando foi que a gente passou a não sentir?

Todo mundo deletou esse app, não deletou? (@cecile_hoodie)

Esses dias eu li uma matéria no The Cut sobre a volta dos barracos de divórcio em Hollywood. Na reportagem, a autora fala que desde o divórcio de Gwyneth Paltrow e Chris Martin, os casais famosos sempre anunciavam seus rompimentos com mensagens amorosas sobre o outro. “Ainda o amo com todo o meu coração”, “Desejo tudo de melhor”, “O amor continua, apenas mudou”. Frases assim foram usadas a exaustão e desde então, sempre que um término era anunciado, ele precisava ser leve e maduro. Só que as coisas mudaram e o barraco (é aqui que entra o Kevin Costner¹), o ressentimento e a tristeza voltaram a aparecer porque, vejam só, términos não são leves, maduros e racionais. Ainda que a decisão tenha sido feita dessa forma, términos machucam e nos tiram a razão, por mais que ela tivesse imperado no processo.

E é aqui que entra a Maria Curie.

Há uns anos, eu li o maravilhoso “A ridícula ideia de nunca mais te ver, da Rosa Montero. O livro é sobre luto, mas também é sobre a vida e obra da Marie Curie. Ela, que dividiu a vida e a pesquisa com seu amor-de-vida, Pierre, quase largou tudo e pensou em desistir do seu projeto (sim, o que rendeu um Nobel pra ela) quando o perdeu em um acidente. É isso mesmo que você leu: a soberana Marie Curie, primeira mulher a ser laureada com um Nobel, a pessoa que descobriu o Radio e o Polônio quase não resistiu a um coração partido porque, vejam só, ela foi humana o suficiente para não ter forças para continuar.

Ela não tinha mais o seu amor de vida, então o que restava?

me marcou tanto que ensaio escrever sobre isso desde 2020

Términos, mesmo os que não envolvem a partida definitiva para outro plano, doem como se o fossem. Perguntei ao meu amigo Akira, que é psicólogo e pesquisador, se essa minha certeza empírica fazia sentido também na teoria.

“Várias teorias que têm seus olhares voltados para a subjetividade entenderiam sim o término como um luto. Na psicanálise isso já é bem conversado, mas existem também as teses sobre o luto dentro da análise do comportamento que entendem o término de um relacionamento como a perda de um sentido. Num geral, em teorias da linguagem, tanto psicodinâmica como análise do comportamento, teoria Junguiana e fenomenologia, a dor de um rompimento se assemelha ao luto de alguém que perde um mundo.”

Quando perdemos alguém – e tanto faz se a perda foi pra uma doença, pra uma carroça ou para uma stylist sem-vergonha que a gente colocou em casa – dói, a gente perde o sentido de viver. O rompimento dilacera. “A dor de um rompimento se assemelha ao luto de alguém que perde um mundo”.

Pesquisando para meu novo livro (e sim, vem aí), eu achei um texto que eu fiz sobre meu primeiro término Foi o cara quem terminou comigo depois de 3 meses de “relacionamento” e eu, no auge dos meus 16 anos, fiquei desolada. Lembro que chorei durante dias, achei que nunca mais me apaixonaria e que a vida tinha perdido o sentido. Porém, ao escrever isso para os leitores do meu blog da época², eu fingi que estava tudo bem, que não me importava e que se fosse analisar, tinha meio que partido de mim, sabe? rssss. Eu sabia que não era verdade, mas não queria que ninguém mais soubesse. Um comportamento tóxico, mas compreensível para uma adolescente. Hoje que somos todos adultos, ainda agimos como adolescentes que têm medo de serem descobertos sofrendo por alguém porque deus nos livre sermos vulneráveis. E por que?

Acho quase irônico eu escrever esse texto porque eu sou uma pessoa que odeia se mostrar vulnerável, por mais que eu escreva sobre minhas vulnerabilidades sob uma camada de autoajuda. Ler o texto da Preta, uma mulher pública conhecida por sua atitude e empoderamento, me chacoalhou – e acho que balançou todo mundo, também. Quando foi que aprendemos a nos dessensibilizar tanto a ponto de querer passar ilesos por uma traição, um término, um luto? Levar um pé na bunda dói mais do que é possível escrever, ver alguém que você ama perder a vida é algo indescritível e ser traída dentro de casa deve doer mais do que 50 crises de enxaqueca juntas.

Por que começamos a nos cobrar passar ilesas por traumas sendo que viver o luto é importante para sair dele?

No livro que acabei de ler, o Indomável, da Glennon Doyle, ela fala que “talvez a única coisa que torne o luto mais fácil seja se entregar totalmente a ele e deixar que ele nos transforme”. Ela fala isso ao ver sua irmã ficar um período trancada no quarto depois de terminar um casamento. Em Clube da Luta, o Chuck Palahniuk escreve que “talvez tenhamos que quebrar tudo para fazer algo melhor de nós mesmos.” e embora essa frase seja mais sobre o ~sistema, eu a enxergo quase como lema. Quando a li, estava no momento mais terrível do meu relacionamento abusivo e enquanto procurava formas de sair dele sem precisar lidar com um luto, li essa passagem. A gente precisa quebrar tudo e às vezes precisa sair machucado pra fazer algo melhor de nós e para nós. É a vida.

No meu primeiro livro, o Amores Eternos de Um Dia, eu também escrevi sobre o tema. Com o texto “5 motivos para você não tentar superar o término de um relacionamento” (e por relacionamento, eu englobo também aqueles quase-alguma-coisa que quebram nossas pernas e coração) eu sintetizo:

A superação de um término de relacionamento é gradual e acontece todos os dias. Não tem fórmula, não tem receita, quiçá um tempo pré-determinado. Conheço pessoas que superaram namoros longos em duas semanas. Outras que levaram três anos para esquecer um amor de seis meses. O tempo é diferente quando envolve o sentir. Mas uma coisa é certa: enfrentar toda essa tempestade de frente, permitindo-se fraquejar quando necessário (mas sem esquecer de quem você é) promove muitas coisas, entre elas, o amadurecimento.

Amores Eternos de Um Dia, editora Paralela, 2018.

Terminar um amor é de uma dor terrível, incapacitante. Literalmente acaba com a nossa vontade de viver naquele momento e tudo bem assumir isso porque sentir e sofrer não nos faz fracos. É o que nos faz humanos.

Eu juro que não quero romantizar a dor, eu só quero que vocês se permitam senti-la. E isso tem muita diferença.

Lendo: No Kindle, estou lendo A Idiota – Elif Batuman. Estou muito no começo, ainda, então não posso dar nenhuma opinião. Volto em breve com mais informações. Também voltei a ler o A Grande Magia, da Liz Gilbert. Abandonei ele em 2019 porque a vida aconteceu, mas é uma boa leitura para quem quer se reconectar com sua criatividade – principalmente se envolve a escrita.

Vendo: Reality show ruim e o retorno de And Just Like That 🤍 a Thereza do Fash! escreveu uma newsletter que eu assino embaixo de cada vírgula. Por favor, MPK, deixe o elenco de apoio ser elenco de apoio, eu imploro!!!1111


¹ eu nem sei se o Kevin Costner de fato teve o coração dilacerado, eu só sei que o divórcio dele tá o caos e achei que deu um ar meio nonsense pro subtítulo. Licença poética, vocês sabem.

² muitos que me leem aqui, me liam nessa época do saudoso radio:ACTIVE. eram tempos mais simples em que escrevíamos sobre o dia na escola, a série favorita e fazíamos avatares com os integrantes da nossa banda favorita.

*

Texto originalmente publicado na minha newsletter.

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