Sobre o luto por alguém que não se foi, mas deixou de existir

por | jul 21, 2023 | Maternidade, Newsletter, Pessoal | 0 Comentários

No episódio 10 da primeira temporada de Sex And The City, Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha são convidadas para um chá de bebê de uma amiga porra-louca. No evento, elas conversam sobre como Laney, a amiga, era a alma da festa e roubava a cena com conjuntinhos de couro e strip-teases não solicitados. Anos depois, essa mesma Laney estava casada, grávida e dando um chá de bebê para a pequena Sheila.

Esse episódio meio esquecido dentre as 7 temporadas traz questionamentos para as protagonistas, que se perguntam se já não deveriam estar nessa mesma fase da vida, ao mesmo tempo em que o reencontro traz uma reflexão inversa para a tal Laney, que se lembra de uma versão muito mais cool de si mesma.

Depois de ver as amigas que não são mães, Laney tenta fazer as mesmas coisas que fazia quando solteira (tipo tirar a roupa em festas), e mais do que protagonizar uma cena incrivelmente constrangedora, ela nos mostra uma mulher que não se reconhece na pessoa que se tornou, mas também não se enxerga no que era antes. E é aqui que começa minha reflexão. Porque ontem eu também fui a porralouca inconsequente & alma da festa, mas hoje eu sou uma mãe. Uma mãe apaixonada, feliz com sua vida ordinária e, consequentemente, extremamente sem-graça para os meus amigos.

Quando eu era solteira, meus dilemas envolviam romances e questões extremamente simples que me tiravam o sono, como “ai, será que eu respondo esse cara com emoji de chorinho ou coração? Será que ele não vai me achar emocionada se eu mandar esse coração??? vamos analisar essa conversa de 3 frases com um cara que eu não vou lembrar nem o nome daqui dois meses???”.

Acompanhados de taças de vinho na minha sala quase parisiense, amigos se divertiam ou com meus casos amorosos ou com minhas péssimas escolhas de vida. Os porres eram aos montes, as conversas sem hora pra acabar eram frequentes e as multas por excesso de barulho depois das 22h mais comuns do que eu gostaria. Hoje, porém, a situação é completamente diferente: minha sala minimalista ganhou um tapete acolchoado com estampa de bichinhos da floresta. Os brinquedos substituíram as taças e as 22h, que outrora era o começo da farra, hoje configuram o meu segundo sono. Hoje, ao mesmo tempo em que meus dilemas são muito mais importantes para mim, eles são proporcionalmente menos interessantes para os outros. E apesar de eu estar feliz, completa e apaixonada por essa nova fase, eu vejo que alguns amigos vivem um luto por essa minha versão que não existe mais.

O tweet que inspirou essa edição rs

Eu sei que muitas mulheres-mães podem torcer o nariz quando eu disser que a maternidade muda tudo, mas por aqui mudou mesmo. Esse processo começou ainda na gravidez, quando eu parei de gostar de café. Se eu, que tinha o café como parte da minha personalidade, não conseguia mais nem sentir o cheiro do grão moído que me dava vontade de morrer, como as outras coisas não mudariam? Mudou tudo, absolutamente tudo e isso não quer dizer que tenha sido pra melhor, pra pior ou qualquer outra classificação simplista do gênero. Mudou como tudo muda na vida.

Nesse processo de me conhecer de novo, perdi algumas pessoas no caminho. Percebo que para muitos dos meus amigos, Maria ainda não cabe, que ela é “só um bebê que saiu de mim”. Não é alguém que eles querem conhecer, criar conexões e entender como o ser humaninho incrível e encantador que é. E eu juro que não digo isso de um jeito melodramático – digo isso de um jeito franco, como quem lê a bula de um remédio e informa a posologia de um comprimido difícil de engolir.

Esses dias, um amigo me disse que queria sair comigo e eu vi que ele ia dizer “sem a bebê”, mas parou no meio do caminho. Eu entendi o restante da frase e entendi também que ele sente falta de uma versão de mim que não existe mais. E por mais que eu às vezes também sinta falta dessa Michele desencanada, divertida e cheia de histórias e amores pra contar, eu preciso confessar que eu amo a pessoa comum que sou hoje. A real é que vejo que alguns amigos esperam que eu sinta tanta falta de mim quanto eles sentem.

Hoje eu não bebo como bebia antes. Não aguento ficar acordada até muito mais de 22h. Não consigo mais acompanhar todas as fofocas e nem usar roupas transparentes (ainda). Não consigo ir às festas à noite. Não consigo topar um convite de última hora. Não consigo responder os áudios sobre a vida porque quando tenho tempo, já não lembro o que ia responder. E eu sei que isso também vai mudar porque tudo muda. Minha filha não vai ser um bebê pra sempre, meus dias não serão tão corridos assim e eu nem sei o que estarei fazendo ou onde estarei nos próximos anos. Aceitar que as coisas estão em movimento é aceitar a vida como ela é.

E, consequentemente, é encarar algumas partidas com menos dor.

Eu não vou dizer que não me entristece essa “falta de interesse no meu novo eu” que eu percebi em pessoas tão próximas. Vários dos meus amigos não estenderam o amor que sentem por mim à minha família e ao mesmo tempo em que entendo racionalmente, sou humana o bastante para não conseguir lidar emocionalmente. Então, preferi focar meu apresso, meu amor e meu tempo nas outras tantas pessoas que abraçaram quem eu sou hoje. Mesmo com o peito vazando, com um bebê de 9kg no braço e estando cronicamente atrasada, elas me aceitam, me amam e me acolhem.

As lembranças são bonitas, confortáveis e tudo o mais, mas não existe nada mais bonito e precioso que o agora – e o agora passa tão rápido que é quase cruel deixá-lo se perder no meio da neblina de algo que já passou. Tudo passa. E às vezes, passa rápido demais.

Eu estou…

Lendo: Ainda lendo A Idiota – Elif Batuman. Estou gostando do estilo “longas conversas que não constroem nada, mas alugam apartamentos inteiros na nossa cabeça”. Estou lendo bem lentamente, como o ritmo do livro.

Vendo: And Just Like That (e hoje tem episódio novo, yay) e um diamantezinho subestimado na HBO, que é a High Maintenance. Abraçando meu papel de “esposa de empreendedor da cannabis” (kkkkkk) eu achei essa série pra vermos juntos e vem sendo uma grata surpresa. Muito bem dirigida, extremamente original e com vários rostos conhecidos. Vale muito!

You May Also Like…

Sobre a lembrança e sobre a memória

Sobre a lembrança e sobre a memória

1. Quando criança, eu amava assistir a fita VHS do meu aniversário de 3 anos. Era uma festa no quintal de casa que reunia toda a minha família e algumas várias crianças do bairro. O tema era da Chapeuzinho Vermelho. Eu estava com um vestido vermelho e branco, com um...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *