Sobre relacionamentos em que você precisa provar que é digna de estar nele

por | ago 3, 2023 | Newsletter | 0 Comentários

Todo mundo já viveu um relacionamento com alguém que a gente acha ser demais. Ou fulano é bonito demais, ou muito mais bem-sucedida, ou mais intelectual, ou qualquer que seja a nossa classificação de sucesso no momento. Pode ser que hoje você já seja uma pessoa bem-resolvida o suficiente para não se abalar por esse tipo de performance. Mas em algum momento da sua vida isso já deve ter sido uma questão, não? Aqui já foi, e assistindo And Just Like That – de novo, eu sei – eu me lembrei do quão péssima é essa sensação de sentir que não é digna de estar com uma pessoa quem nem é tão incrível assim.

Caso você não seja do mundinho Sex And The City, eu te explico a situação que inspirou essa edição: Miranda é uma das quatro protagonistas e era uma advogada extremamente bem-sucedida. Ela era muito bem-resolvida sentimentalmente, sempre foi muito racional e, para muitas de nós, um exemplo a ser seguido. Miranda foi até tema de livro, pra você ter noção. Foi assim por 6 temporadas e 2 filmes, até chegarmos em And Just Like That, onde Miranda se apaixona por Che.

Che é não-binárie, comediante de sucesso e chefe da Carrie em um podcast. Che tem uma vibe de gostose transgressore que Miranda, mesmo reprimida, não consegue resistir e se apaixona. Começa com um tesão absurdo, depois evolui para uma paixão burra. Veja bem, eu sou muito entusiasta das paixões burras. Acho que elas fazem a gente se sentir vivo como nenhuma outra. Mas o problema é que, bem, como o nome já diz, a gente meio que emburrece com ela. E foi o que aconteceu com a Miranda.

Tudo o que ela conquistou, toda sua autonomia, toda sua confiança, toda sua pose de badass foi para o ralo quando ela se viu em um relacionamento onde se sentia menos. Por ser mais velha, se sentia mais careta. Por ser (até então) cishet, se sentia inexperiente. Por ser “apenas” acadêmica, não se sentia interessante. Ainda que ela fosse uma advogada de sucesso, uma mulher lindíssima com mais de 50 anos e uma acadêmica brilhante, ao se comparar com Che, ela se sentia menos. E se sentir menos fez com que ela implorasse, mesmo incoscientemente, pela aprovação de Che em cada mínimo detalhe de sua vida.

Quando a gente se apaixona de um jeito burro – ou perdidamente, um sinônimo mais apropriado – a gente tende a colocar a pessoa no centro do nosso universo. Fazemos dela o Sol e nos tornamos um mísero planetinha que fica ali, orbitando. É comum, acontece, não tô aqui pra julgar ninguém. Geralmente esse tipo de paixão vem com o preenchimento de alguma falta que a gente tinha. Pode ser a sensação de liberdade, pode ser um despertar sexual, uma grande troca intelectual, enfim. De algum jeito, essa paixão nos vicia e nos deixa dependentes. Quem não gosta de sentir essa sensação de completude, ainda que momentânea, né?

Antes de querer pegar a personagem pelos ombros e gritar para ela reagir, me dei conta de que também já fui patética assim. Às vezes de um jeito mais sutil, como falar de um jeito mais baixinho e agradável com o meu interesse romântico. Outras de um jeito um pouco mais preocupante, como de pensar primeiro nas preferências dele antes da minha. Isso sem contar naquela conhecida sensação de ir me diminuindo dia após dia pra caber no mundinho dele.

Mas de novo: quem nunca?

Em “Comer, Rezar, Amar“, quando a Liz começa a se relacionar com David (o primeiro pós-divórcio), os amigos dela falam que ela estava “parecida demais com ele” e essa falta de “vida além-relacionamento” é um dos motivos que fazem o ator desencanar do namoro. Em “How I Met Your Mother“, o Ted quase coloca o interesse da namorada acima do maior projeto profissional da sua vida. Em “Na Casa dos Sonhos“, a autora também se sentia incrível e completa até conhecer seu amor avassalador que depois quase a destruiu.

É tão normal que está aí, em qualquer livro, série e demais produtos de consumo. Assim como nessas histórias, na vida real também fica evidente que esse tipo de relacionamento não tem um desfecho diferente do coração partido – e o mais cruel é que geralmente vem da outra pessoa que, veja só, começa a se incomodar com o fato de que “mudamos”.

Eu era completa — uma relação simbiótica entre minhas melhores e piores partes —, e depois, numa das acepções da palavra, me vi rachada: um talho certeiro que separou a primeira pessoa — aquela mulher segura e confiante, a menina detetive, a aventureira — da segunda, que vivia ansiosa, trêmula como uma raça de cachorro de porte pequeno demais. – Carmem Maria Machado, Na Casa dos Sonhos.

Geralmente, acaba com um “você era tão diferente antes…”. Com um “não te reconheço mais”. Com um “as coisas eram melhores”. Com a Miranda, o término partiu de Che (óbvio) e a reação dela foi a mais verossímel de todas: ela apenas aceitou o rompimento sem nenhum grande sofrimento porque em situações como essa ele é iminente. A gente sabe que não vai dar certo, mas nós também tentamos fazer dar.

Ô se tentamos.

O mais triste é que, quando esses amores acabam, a gente também não se reconhece mais. Vira um eterno questionar. “Será que eu gosto mesmo dessa série ou eu gostava porque ele gostava?”, “Eu realmente curto essa roupa, ou foi porque ela elogiou?”, “Tá, mas esse livro aqui, é pretensioso mesmo ou eu achei isso porque foi a opinião delu?”. E aí até se autoconhecer de novo vai um tempão.

Porém, apesar de longo, chato, demorado e às vezes insuportável, esse processo de se entender de novo é tão necessário quanto uma cirurgia de apêndice. E também é fundamental para continuar vivendo. Né?

Eu estou…

Lendo: Ainda lendo A Idiota – Elif Batuman. Anna Vitória já tinha alertado que é um livro em que não acontece nada – li o texto dela, amei e aceitei continuar -, mas confesso que todo esse papo tá me deixando meio entediada. Também me preocupa o fato de já ter lido mais de 150 páginas e isso significar 20% do livro. Mas vamos lá. Além dele, comprei (e isso não significa que esteja lendo ativamente) o hypado Aos Prantos no Mercado, da Michelle Zauner. Comecei e achei a escrita bem gostosa. Acho que até a próxima edição eu tenho uma opinião mais concreta.

Vendo: Só vejo And Just Like That. Ah! E assisti Barbie e assim como 99% das pessoas, achei maravilhoso.

Ryan Gosling's Barbie Song Charts on Billboard Hot 100
MARAVILHOSO

C’est tout. To pra terminar essa newsletter desde o episódio do término (duas semanas atrás, então nem é spoiler, vai!) e espero que tenham curtido.

Nos vemos em algumas outras semanas. <3

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