Sobre os amores eternos de um dia

por | mar 16, 2017 | Amor | 3 Comentários

Eu morava no interior e, quando você mora em uma cidade pequena, precisa tomar muito cuidado e escolher muito bem quem você “assume”. É que no interior funciona mais ou menos assim: se você sai com alguém para tomar uma cerveja depois das 18h, vocês já estão juntos. Não estão se conhecendo, não estão trocando ideia. Estão juntos, são um casal, fim. Sendo assim, por toda essa quase-cobrança, em cidades pequenas, é muito difícil você “pagar de casal” se não quiser, de fato, ser um. Andar de mãos dadas? É um pedido de namoro. Japonês juntinhos? Só depois de duas semanas se vendo direto. Carícias no meio do barzinho? Casou. Na minha cidade só era aceitável uma pegada casual se fosse na balada e depois de certo horário, do contrário, “estava de namorandinho”. Assumiu, já era. 
Pula pra 2015.

Lembro do meu primeiro date em São Paulo. Vamos chamar o personagem de João, para facilitar. Conheci João por um amigo em comum e nos adicionamos no Facebook. Depois disso, conversávamos todos os dias, durante várias horas. Eu já sabia tudo sobre sua vida: era o irmão do meio entre três, seu escritor favorito era o Chuck Palahniuk e ele odiava suco de limão. Quando nos encontramos pela primeira vez, após todo esse contato, ele me buscou em meu trabalho e, apesar de ter sido nosso primeiro encontro de verdade, parecia que já nos conhecíamos há tempos. Fomos em um pub mal acabado no alto da Augusta – que eu achei o máximo, para ser sincera – e dividimos uma batata. Andamos de mãos dadas, nos beijamos em público e, no final da noite, fomos nos encontrar com meus melhores amigos em uma balada. Ele foi simpático e incrível com todos eles e, quando nos despedimos, eu tive a certeza de que estava tendo algo sério. Spoiler: não era. Ali, vivenciei o meu primeiro caso de amor eterno de um dia. 

Aqui – ou hoje, talvez essa questão seja mais temporal do que demográfica – as pessoas se entregam no primeiro encontro. E não estou falando de sexo, não. Elas se curtem de verdade. Pega na mão, diz o quanto curtiu o seu novo penteado. Elogia, fala que estava ansioso pelo encontro. Abraça, beija, faz social com seus amigos, quando e se necessário. São relacionamentos sérios que duram uma noite – e está tudo bem. No começo você estranha, principalmente se for acostumada com relacionamentos longos em que a intensidade é vivenciada gradativamente, mas depois, se vê entorpecida com toda essa velocidade. Passa a amar em uma noite e deixa ir quando o Sol surge. Guarda o abraço e o cheiro e, ao mesmo tempo em que esquece do perfume amadeirado do seu amor eterno de um dia, sente-se pronta para uma nova história.

Os amores eternos de um dia são verdadeiros, apesar de efêmeros. Mas o que não é efêmero nessa vida, não é mesmo? Nessas histórias, sente-se apenas o sabor doce das descobertas e do prazer pela companhia; aprecia-se cada particularidade do momento porque você sabe que aquilo pode acabar a qualquer segundo. Aproveita o agridoce de não saber o que vem depois –
e se vem um depois.

Se joga. Ama.
E ama de verdade.
Não precisa lidar com os dias chuvosos.
É só sol e tempo aberto.

Mas, às vezes, a gente cansa de ter verão o ano todo.
E eu acho que cansei.

Eu amei muito, nesse tempo. Me apaixonei perdidamente a cada semana, mas acho que cansei do clima ensolarado. Talvez eu queira apreciar a chuva da janela e colocar duas meias antes de dormir, por causa do frio. Quero me lembrar de como é um tempo fechado e como é acordar com as costas doendo depois de dividir a cama por mais de três noites.

Acho que não quero mais recomeços.
Só quero que, por um tempo, as coisas não tenham um fim.

Pelo menos por enquanto. 

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3 Comentários

  1. Wanila Goularte

    Que texto incrível, Mih. Pude sentir cada palavra, juro!

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  2. Ápice

    UAL! Profundo, sincero.

    Responder
  3. Natália Nássara

    Amei as palavras e a descrição tão exata do que muito acontece hoje em dia. Parabéns, Mi!

    Responder

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