Acho que eu sou básica

por | ago 16, 2022 | Pessoal | 0 Comentários

No episódio 10 da primeira temporada de Sex And The City, Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha são convidadas para um chá de bebê de uma amiga porralouca. No evento, elas conversam sobre como Laney, a amiga, era a alma da festa e roubava a cena com conjuntinhos de couro e strip-teases não solicitados. Anos depois, essa mesma Laney estava casada, grávida e dando um chá de bebê para a pequena Sheila.

Esse episódio meio esquecido dentre as 7 temporadas traz questionamentos para as protagonistas, que se perguntam se já não deveriam estar nessa mesma fase da vida, ao mesmo tempo em que o reencontro traz uma reflexão inversa para a tal Laney, que se lembra de uma versão muito mais cool de si mesma.

Sex And The City S01E10

Depois de ver as amigas solteiras, Laney até tenta fazer as mesmas coisas que fazia quando solteira (tirar a roupa em festas, por exemplo), e mais do que protagonizar uma cena incrivelmente constrangedora, ela estrela uma cena triste onde vemos uma mulher que não se reconhece na pessoa que se tornou, mas também não se enxerga no que era antes. E é aqui que começa minha reflexão. Porque hoje eu me vejo mais ou menos nesse mesmo lugar.

Quando eu era solteira, meus dilemas envolviam romances e questões extremamente simples que me tiravam o sono:

“Vou para a praia com o fulano? Viajo para o Sul com esse romancezinho do passado, ou começo a namorar esse cara emocionado que tem uma tatuagem bizarra na barriga? Respondo esse cara com emoji de chorinho ou coração? Será que ele não vai me achar emocionada se eu mandar esse coração???”.

Acompanhados de taças de vinho no meu tapete, amigos se divertiam com meus casos amorosos, ou com minhas péssimas escolhas que arrancavam risos. Hoje, porém, ao mesmo tempo em que meus dilemas são muito mais importantes para mim, eles são proporcionalmente menos interessantes para os outros.

“Será que vou querer anestesia na hora do parto? To pensando em fazer cama compartilhada, será que é uma boa? E se eu comprar essa banheira de pia? Melhor uma de chão? Vou dar mamadeira? Será que eu compro chupeta?”.

Pois é. O cenário mudou tanto que eu consigo ver a minha versão de cabelo laranja me encarando e se perguntando: “apesar de sempre ter sonhado com esse momento de vida, como assim ele chegou? E mais: como assim ninguém me preparou para ser uma pessoa básica???”

Ilustrando minha epifania

Eu que sempre contei minhas histórias como entretenimento, ou que apoiava minha personalidade nas minhas características [que eu julgava] mais interessantes, me vi enfrentando uma nova mudança que ao mesmo tempo que era intrínseca a gestação, também independia dela: a do entendimento de que na real, eu sou apenas uma pessoa comum.

Acho que a gravidez ensina que a gente é muito menos cool do que acha ser desde o momento do positivo no teste, porque não existe a menor possibilidade de ser uma pessoa interessante quando você está na TPM mais intensa e horrorosa que você viveu na vida e não consegue comer nada além de bolacha de água e sal. Não tem look que se sustente em uma pele ruim, um cabelo despedaçando e unhas quebrando só com o movimento da sua respiração. Nenhum livro é mais sedutor que um bom cochilo, não existe bar hypado que vai ser mais confortável que o sofá da sala e nem festa que valha a pena ir com os pés inchados.

Tudo bem que a maioria desses infortúnios ficaram lá no primeiro trimestre, mas essa série de situações me fez questionar: se eu não sou mais o que visto, o que leio e o que faço… O que eu sou? Quem eu sou?

Eu comecei e entender esse meu “desencontro” quando vi que os meus gostos realmente mudaram. Eu, que era uma pessoa apaixonada por café e poderia falar durante horas sobre grãos, métodos e moagens, agora só consigo tomar café com leite, chocolate ou qualquer outra coisa que suavize o seu gosto. Se antes a ideia de passar o sábado ensolarado dentro de casa era inconcebível, hoje ela é irresistível – principalmente se contar com uma massagem nas costas enquanto estou fazendo mobilizações na bola de pilates.

O azeite trufado superfaturado virou artigo proibido, o meu perfume favorito me dá náuseas e nem mesmo o churrasco do meu pai, outrora tão amado, sobreviveu ao furacão hormonal dos últimos 7 meses. Ou seja, se nem as minhas trivialidads favoritas na vida sobreviveram a essa mudança, o que mais restaria, né?

Eu já vi textos que te preparam para seu novo corpo (o da gravidez, o do pós-parto, o da sua versão como mãe), sobre o puerpério, sobre se relacionar amorosamente depois de ter filho, sobre a vida sexual pós-gestação… Mas nunca vi nada sobre se tornar uma pessoa muito menos legal e interessante sob sua própria ótica. Sobre não ter mais novas “grandes-histórias-do-último-fim-de-semana” para contar, a não ser que seja com outras mães e pais, porque aí eles vão saber das grandes emoções de um ultrassom ou do susto de uma Braxton Hicks.

Não vou negar que, apesar de imensamente feliz e ansiosa pela chegada da minha filha, está sendo difícil me despedir de quem eu era – ou pelo menos dessa versão que eu tinha criado sobre mim mesma. Mesmo não me reconhecendo mais naquilo que algum dia me serviu, ainda dói dizer adeus a essa pessoa porque eu sempre me esquivei muito de despedidas.

Encarar essa minha nova versão amorfa e desconhecida está sendo um longo processo de (mais um) autoconhecimento. Não é lá muito legal ter que se redescobrir aos 30 anos e entender que coisas que eu amei um dia, hoje já não fazem mais sentido nessa parte da minha vida. Mas, ao mesmo tempo em que é chato e cansativo, é lindo perceber que nunca estive tão certa de que estou no “meu caminho certo”, tão satisfeita com minhas escolhas e tão (tão tão) feliz com o que vem sendo escrito.

No final das contas, acho que as mudanças da vida são assim mesmo. Inevitáveis, intensas, às vezes doloridas e ridiculamente comuns.

Como a pessoa que eu sempre fui, mas que só agora entendi ser.

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