Uma conversa de peito aberto

por | out 22, 2018 | Pessoal | 2 Comentários

Eu sei que ando meio monotemática em minhas redes sociais e que só falo sobre política. Mas hoje, eu juro que vou deixar a militância um pouquinho de lado e não, o assunto não é política. O assunto é peito. Isso mesmo: peito. Seio. Teta.

O sonho da minha vida sempre foi ter peitos. Ganhei meu primeiro sutiã com 11 anos e, definitivamente, eu não precisava dele. Fui começar a ter algo parecido com cerejinhas sob os mamilos só com 12 anos, mas uso sutiã desde os 11. Falam que o primeiro sutiã é importante para a mulher e, por mais que eu queira fugir dos clichês, aqui, me entrego: é mesmo e eu consigo me lembrar, perfeitamente, de como era o meu. Meu primeiro sutiã era xadrez fininho azul, com florzinhas vermelhas, apertado nas costas e folgado nos peitos. Eu lembro que fiz um inferno para minha mãe me dar um sutiã e ela, capricorniana turrona, se negava porque eu não precisava. Quando sua melhor amiga chegou em casa com um pacote prateado, me dizendo que tinha um presente especial para mim, quase chorei. Ignorei o olhar de reprovação da minha mãe e corri vestir meu sutiã.

Agora, só faltam os peitos, eu pensava.
Mas logo eles aparecem, eu me enganava.

Passou um ano e nada dos peitos aparecerem. O máximo que eu tinha eram uns carocinhos que saltavam sob o uniforme, mas ainda eram pequenos demais para o meu amado sutiã. A minha memória mais forte dessa época é que, quando eu brigava com minha irmã, ela vinha direto me bater nos peitinhos porque a dor me fazia urrar e me impossibilitava de revidar o golpe.

Reprodução

As meninas da minha sala já tinham peitos. Pequenos, claro, mas tinham. Eu, tinha o sutiã xadrez. Diante das minhas lamentações, a amiga da minha mãe me disse que se eu tomasse água na concha de feijão, teria peitos grandes. Nunca me senti tão esperançosa e, então, todos os dias daquele ano, eu tomei água na concha. Não, os peitos não vieram. E, talvez por toda essa expectativa, que começou desde quando eu era criança, meus peitos eram as coisas que eu mais detestava em meu corpo. Por muito, muito tempo.

Quando eu tinha 17 anos, tive meu primeiro namorado sério e, naturalmente, os beijos viraram amassos e os amassos permitiam mãos-bobas. Nessa época, já conformada com o fato de que eu não tinha peitos, usava sutiãs de bojo. Mas não é qualquer bojo, cara leitora! Eram praticamente duas almofadas posicionadas abaixo da minha saboneteira. Os motivos eram simples: 1) parecia que eu tinha peitos e 2) eram os únicos sutiãs que serviam em mim, justamente porque eles tinham bojos-bolha. Sendo assim, sempre que as mãos-bobas apareciam acima da minha cintura, eu travava. A ideia do meu namorado encostando no meu sutiã e descobrindo a farsa dos meus não-peitos me tirava o sono e, por isso, todo o meu processo de ~descoberta sexual~ foi lento e um tanto quanto problemático porque eu nunca conseguia relaxar. Tudo isso por causa das tetas.

Minha mãe me falou a coisa mais óbvia do mundo, quando fiz 18 anos e fiquei estável em um emprego (antes disso, eu havia trabalhado com 15 e 16 anos em dois trabalhos informais): junta dinheiro e coloca silicone, oras. E, então, eis o segundo maior sonho da minha vida. O primeiro, era a faculdade, mas eu tinha certeza que conseguiria a bolsa do ProUni, então, meu dinheiro guardado serviria para os tão sonhados peitos. Como a vida não é uma fábrica de realização de desejos, não consegui a bolsa – meu curso tinha muita procura e poucas vagas – e, então, o dinheiro que estava guardando foi para a faculdade. O sonho dos peitos próprios seria adiado por 4 anos, o período da minha graduação. E engana-se quem pensa que, com o tempo, eu desencanei.

Eu tive dois outros relacionamentos e, para eles, meus peitos nunca foram problema. Isso aliviava em 0% a minha paranoia com elas porque o problema não eram os homens. O problema era eu e aqueles malditos peitos que eu esperava crescerem desde que tinha 11 anos de idade. Eu não deixava que eles encostassem neles e sempre, sempre fiz qualquer coisa de luz apagada porque morria de vergonha do meu corpo. E por falar em vergonha, todo verão era uma lástima e todas as vezes em que provava biquíni, eu chorava no provador. Era um inferno e eu não via a hora de me formar para, finalmente, ter dinheiro para colocar silicone. Eu já sabia qual médico, qual tamanho e qual formato eu queria. Eu já me imaginava usando decote em todas as situações possíveis, até em funeral. Eu nasci pra ter peitos grandes, meu corpo que não sabia disso.

Mas a vida é uma caixa de surpresas. No meu último ano da faculdade, fui diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e eu, que pesava 50kg e já era bem magra, estava pesando 40kg. Eu era pele, osso e nenhuma autoestima, então, além dos peitos, nada na minha imagem me deixava infeliz. Com algumas sessões de terapia, eu entendi que meu problema era outro e eu precisava lidar com ele, antes de pensar em começar a planejar qualquer intervenção cirúrgica. Eu tinha que me livrar de uma relacionamento abusivo, de reprojetar minha carreira e de voltar a me entender como pessoa.

E eu fiz isso durante um ano inteiro, quando, no final dele, eu me mudei para São Paulo e comecei um novo período da minha vida. O mais importante dela, até então. Comecei a engordar os quilos perdidos e começado uma relação muito mais bonita comigo mesma. O período da TAG + Relacionamento Abusivo fez com que eu esquecesse quem eu era, mas fez com que eu aprendesse a ser mais gentil comigo mesma. E então, comecei a me tratar com carinho. Os peitos até me incomodavam, mas não a ponto de querer parar minha vida para mudá-los. Seria ótimo, claro, mas tudo bem do jeito que estavam: eu estava feliz o suficiente por ter mudado de cidade e por ter engordado 10kg de novo.

Eu queria dizer que foi o autoconhecimento que me fez mudar, mas a redenção veio, mesmo, por causa de uma loja.

Atrelado ao desejo dos peitos, sempre quis lingeries bonitas e nunca pude ter. Na minha cidade, só encontrava modelos que ficavam enormes, a não ser que tivesse bojos imensos. Um dia, despretensiosamente, entrei numa loja (não vou citar o nome porque vai parecer publi e não é haha) e comecei a olhar os sutiãs de renda. A vendedora veio me atender e com uma risada um pouco amarga, eu disse que só estava olhando porque nunca encontrava nada que me servisse. Ela me desafiou e tirou minha medida. “Seu tamanho é o XX [não lembro rs], qual modelo você quer?”. Continuei incrédula. Escolhi uns três modelos e, ainda com o sorriso desgostoso, fui ao provador, já preparada para a frustração que sempre aparecia nesses momentos. Mas, naquele dia, serviu. Eu tinha os mesmos peitinhos de sempre, mas tinha, finalmente, encontrado uma loja que me contemplasse.

Eu quase chorei no provador e, dessa vez, não era de tristeza.

Desde que eu encontrei uma loja que tinha me enxergado, a minha relação com meu próprio corpo mudou muito. Nunca estive tão bem e nem tão satisfeita com o que vejo. As tetas deixaram de ser problemas. Elas são minhas e seu tamanho (ou falta de) não me faz mais ou menos mulher. Inclusive, parte nenhuma do nosso corpo nos faz ser mais ou menos mulher, né? Depois desse dia, eu desencanei tanto que quando quero, uso sutiã, quando não quero, fico sem e meu deus, a Michele de 17/18 anos jamais imaginaria que sairia na rua sem sutiã, só com os pesseguinhos à mostra.

Ainda que o nosso sonho (e luta) seja gostar da gente de uma forma pura e legítima, vivemos em uma sociedade capitalista que vende a beleza e o bem-estar, então, ter me sentido vista por uma loja e me sentido contemplada por um modelo, fez com que toda a minha relação com meu corpo mudasse. É problemático o fato de que eu tenha precisado de um produto para isso? Talvez. Mas é compreensível quando analisamos pelo espectro de representatividade e pertencimento. E eu falo isso sendo uma mulher alta, magra e super padrão. Eu nem consigo imaginar o que uma mulher que não tem suas necessidades atendidas por lojas acessíveis, possa sentir com esse cenário.

Então, que sigamos lutando para sermos enxergues em nossos mais singulares e individuais formatos. Que as lojas (grandes ou pequenas) enxerguem essas diferenças e nos atendam, contemplem, abracem. E que tenhamos força e disposição para continuarmos melhorando nossas relações com nós mesmas.

Que a gente aprenda a nos tratar com mais carinho e admirar nossos próprios corpinhos de peito aberto.

Grande ou pequeno 🙂

Esse texto saiu, originalmente, na minha newsletter. Nem todos os textos que saem lá, são reproduzidos por aqui, então, clique aqui para se inscrever e receber essa dose semanal de amor na sua caixa de entrada.

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2 Comentários

  1. Bruna Pedrosa Guedes

    Que textinho mais liindoo
    Os meus peitos também nunca tiveram tamanho e me incomodava bastante, usei sutiã de bojo, de aro… até que meus seios começaram a doer, fui num mastologista, fiz ultrassom e nada. Eu tava achando que era um nódulo, já tava na vibe do câncer (bem assustada mesmo com doenças), então um lindo dia chegou e pensei "será que não é o sutiã?" e passei dias só usando um fininho e beem simples que ainda uso até hoje e PLIM, a dor sumiu

    Fiquei pensando aonde a ideia da beleza pode nos fazer chegar, tipo, usar ferro ao redor dos seios, sabe? E tudo isso pra quê?

    Beijoo e até mais <3
    N E O D E S V A R I O

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  2. Giovanna Zottino

    Que lindo! Me indentifiquei tanto, esses dias fiz um stand up sobre eles, e me senti muito bem apesar de isso me afetar pra caramba, foi uma espécie de cura também. Obrigada por me encorajar a ser eu mesma e me amar do jeitinho que eu sou, é um processo, vai demorar, mas muito obrigada, amei sua escrita ♥️

    Responder

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